Somos iguais: um paradoxo legalizado.

As leis, que nós ajudamos a elaborar através de nossos representantes do legislativo, a princípio, amparam a participação da sociedade nas políticas públicas de saúde. Estas mesmas leis, a princípio, também são defensoras do direito do ser humano a ter saúde.

Entretanto, elas agem? Elas são aplicadas como deveriam? O acesso a saúde, como prevê nossa Constituinte de 1988, é universal? Ocorreu realmente a tão celebrada revolução sanitária no Brasil?

Acredito que esta mudança de paradigma não ocorreu efetivamente, no plano prático. O direito existe – o acesso é garantido a todos, mas o serviço não satisfaz a demanda criada.

Saúde é mais que do que uma coisa; ela é um valor, é uma perspectiva (SPOSATI, Aldaíza. LOBO, Elza. CONTROLE SOCIAL E POLÍTICAS DE SAÚDE. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, Ed 8, pag 366-378, Outubro/Dezembro, 1992).

Por conta deste valor é que conseguimos ser livres e alcançamos níveis melhores de desenvolvimento pessoal, pois a pobreza estimula doença e esta estimula cada vez mais a pobreza. Como ensinam Rodrigo Siqueira-Batista e Fermin Roland Schramm: “em suma, os mais pobres tendem a (...) permanecer mais dias de suas vidas vitimados por moléstias e sofrer limitações relevantes em suas atividades”. Como produzir se estão doentes?

Devemos ter em mente que a questão é muito mais complexa, pois ao universalizar o acesso à saúde, igualamos todos os cidadãos do Brasil. No primeiro momento parece um erro falar assim, um paradoxo, no entanto, a isonomia é muito mais que o simples ato de igualar a todos. A isonomia considera “a infinita diversidade humana em todos os horizontes da existência” (SIQUEIRA-BATISTA, Rodrigo & SCHRAMM, Fermin Roland. A SAÚDE ENTRE A INIQUIDADE E A JUSTIÇA: CONTRIBUIÇÕES DA IGUALDADE COMPLEXA DE AMARTYA SEM. Ciência & Saúde Coletiva, 10 (1), pag 129-142, 2005).

A isonomia leva em consideração fatores com nível educacional, violência, saneamento básico entre outros tantos que deixei de citar aqui. Em suma, a isonomia prega o tão famoso ditado: “tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual”.

Partindo desta idéia, sabendo que existe toda uma séria de fatores que dificultam o acesso a saúde nos seus diferentes níveis, será, realmente, que temos esse direito praticado diariamente pelo Estado?

O médico também pode ser a vítima.

A vulnerabilidade é “o estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo no que se ao consentimento livre e esclarecido”.

Esse é o conceito dado pelo Conselho Nacional de Saúde através da Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996 que muito ajuda a entender que em muitos casos o médico é a parte frágil da relação “médico x paciente”.

Essa anulação do médico se dá em alguns casos, como: a violência da instituição onde o profissional trabalha; assédio moral por parte de colegas de profissão; e não raro as agressões físicas e verbais por partes dos pacientes.

Pode soar estranho o que estanho o que estamos discutindo aqui, mas veremos que em muitos casos o médico é refém de um meio social inadequado para a prestação desejada do serviço médico.

Quando se fala em violência institucional, temos que remeter este termo à condição de trabalho que o médico tem. Elias Abdalla Filho foi muito feliz quando afirmou que “uma situação bastante comum em diversas instituições de saúde (...) é representada por um volume de trabalho que excede, e em muito, os recursos humanos disponíveis”. (ABDALLA FILHO, Elias. VIOLÊNCIA EM SAÚDE: QUANDO O MÉDICO É O VULNERÁVEL. Revista Bioética, 2004. Vol 12, nº 2. Pg 122).

Este excesso de trabalho agride o emocional do profissional de tal forma que reflete em seu atendimento e sua relação com o paciente. É um dos casos do que chamo de erro estrutural (quando por ventura o médico não consegue seguir o procedimento correto por falta de estrutura).

Entendo que o médico, se não todas as vezes, submete-se a tais condições por necessidade, como afirma Elias Abdalla Filho, por “sobrevivência”.

Outro ponto a ser discutido e que também se encontra no que chamo de Erro Estrutural é o assédio moral por parte dos próprios colegas de trabalho. Refiro-me aqueles colegas que ocupam, de forma temporária ou não, cargo de chefia. Cargos esses em sua maioria não por merecimento, mas por politicagem.

Esse assédio é outro exemplo de quando o médico pode ser tornar a parte frágil na relação médico paciente, pois imagine o profissional que atenda o filho do Diretor do hospital? Situação, no mínimo, mais delicada, pois qualquer mal resultado pode resultar em constrangimento ou perda da função.

Elias Abdalla Filho diz que “ muitas vezes, o assédio é praticado de forma velada, não sendo raro um pacto de tolerância e de silêncio, não somente entre aqueles que estão no papel de vítimas como também de outros participantes, como testemunhas dos comportamentos violentos”.

Tais comportamentos podem levar o profissional à depressão o que, sem sombra de dúvidas, levará ao empobrecimento de seu atendimento e/ou algum tipo de negligência em seus procedimentos.

Por fim, senão o mais importante, o mais interessante meio de agressão ao médico. De acordo com Elias Abdalla Filho, no texto “Violência em Saúde: quando o médico é o vulnerável”, o autor afirma que existe apenas violência praticada pelo paciente quando “realiza um ato de violência física contra o médico”.

Não concordo com tal afirmativa, pois acredito que existe outra forma de agredir um médico: a verbal.

Imagine o momento em que o médico, na urgência de um hospital, atendendo o filho de uma pessoa, o faz com o pai o pressionando, dizendo que qualquer resultado que não a cura do seu filho, ele irá processá-lo. Imaginou?

Numa situação de crise como essa, a agressão verbal atinge a capacidade de autodeterminação do médico. O poder de raciocínio do profissional é atingindo também, pois ele agora possui outros fatores com que se preocupar: a cura inegociável do paciente.

Encontramos, aqui, o médico refém de um paciente descontrolado e que agora possui certo poder no médico.

Percebe-se então, que o status de poder que o médico tem é relativo, pois existem algumas variáveis que podem interferir nesta faculdade.

O STJ aceita a cumulação de indenização por dano moral e estético proveniente do mesmo ato de erro médico.

Em julgamento relatado pela Ministra Denise Arruda, o STJ reconheceu que de um mesmo ato pode-se gerar dois tipos de indenização. O Julgado em epígrafe é referente a uma ação de indenização movida pela família que viu o braço de seu filho recém nascido ser amputado em virtude de erro médico.

Segundo dados do próprio processo, o recém nascido sofreu a amputação devido a uma punção axilar que resulto no rompimento de uma veia, criando um coágulo que bloqueou a passagem de sangue para o membro superior.

Pois bem, ao analisar o caso a relatora destacou que, ainda que derivada de um mesmo fato, a amputação do braço do recém-nascido ensejou duas formas diversas de dano: o moral e o estético. Segundo ela, o primeiro corresponde à violação do direito à dignidade e à imagem da vítima, assim como o sofrimento, à aflição e a angustia a que seus pais e irmão foram submetidos. O segundo decorre da modificação da estrutura corporal do lesado, enfim, da deformidade a ele causada.

De acordo com a Ministra, é devida sim a cumulação do município à reparação dos danos moral e estético à vítima, na medida em que o recém-nascido obteve grave deformidade e teve seu direito a uma vida digna, seriamente atingida. Desse modo, é plenamente cabível a cumulação dos danos moral e estético nos termos fixados pela sentença, que foi de R$ 300 mil. Para ela, esse valor é razoável e proporcional ao grave dano causado ao recém-nascido e contempla, ainda, o caráter punitivo e pedagógico da condenação.
A seguir, alguns julgados sobre o tema:

Resp 251719. "civil. danos estéticos e morais. cumulação. os danos estéticos devem ser indenizados independentemente do ressarcimento dos danos morais, sempre que tiverem causa autônoma. recurso especial conhecido e provido em parte."

REsp 1011437. "direito civil. danos material, moral e estético. rapaz de 19 anos que, na varanda de uma boate, ao se debruçar para brincar com um amigo que se encontrava na rua, inadvertidamente toca em transformador de alta tensão mal instalado em poste vizinho. choque elétrico de alta intensidade, do qual decorre queimadura em trinta por cento de seu corpo, além da amputação de seu braço direito e perda da genitália. ação proposta em face da boate, da companhia de energia elétrica e do proprietário do transformador mal instalado. condenação mantida em face dos três réus. (...)é possível a cumulação de dano estético e dano moral. precedentes."

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